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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O homem da fazenda

Ficheiro:Caipira picando fumo.jpgExistem pessoas que nos inspiram a ser melhores. Pessoas que demonstram, com seu modo de viver, um caráter tal que nos faz, de alguma maneira, querer ser como elas. Eu sou adepto da ideia de que é melhor aprender com as experiências dos outros do que ter que sentir na pele todo tipo de sofrimento para, só então, obter algum aprendizado. Por isso, procuro observar a vida de grandes mulheres e homens, através de leituras ou pessoalmente, para buscar ser uma pessoa mais apta a lidar com as surpresas agradáveis e também as desagradáveis da existência.

É interessante notar, ao observar essas pessoas, que pequenas coisas podem se tornar grandes lições. Certa vez, eu tinha uma enorme tarefa a fazer e não sabia por onde começar. Só de pensar no quanto teria que me esforçar para realizar aquilo, me dava um desânimo. Não era algo divertido de se fazer. Levaria tempo. Eu já estava até querendo desistir antes de começar.

Foi quando fui a uma pequena fazenda e observei que um homem tinha feito enormes escavações, sozinho, na tentativa de reter água da chuva em sua roça. Eram valetas enormes que qualquer pessoa pensaria terem sido feitas por um trator. Mas aquele homem tinha realizado aquele trabalho hercúleo apenas com ferramentas simples: uma pá, um cavador e uma alavanca. Também utilizou um carrinho de mão para transportar a terra para fora daquela cratera que havia criado. Era um trabalho bem feito e, quando a chuva viesse, possivelmente muita água ficaria retida ali, para a alegria daquele trabalhador.  

Olhei para mim mesmo e pensei: “Eu tenho uma grande tarefa a fazer, mas não se compara a isto que estou vendo. Ele deve ter levado muitas semanas trabalhando incansavelmente, num extremado esforço físico, nesta atividade que, pelo que vejo, não parece ser das mais prazerosas. Qual será o seu segredo para não desistir antes mesmo de começar?” É claro que não fiquei apenas pensando, mas, logo perguntei a ele qual era o segredo.

Dando uma pequena pausa em seu trabalho, pois continuava a retirar pedras do local, me respondeu como se fosse algo muito simples – e era. Ele me disse, de maneira muito natural, que fazia uma parte de cada vez. Procurava não pensar na grandeza da obra como um todo, mas na parte que lhe cabia fazer em cada dia. Assim, pouco a pouco, com persistência, depois de um tempo era só olhar para trás e ver que muito já havia sido feito.

Essa dica me motivou muito, e a tarefa que eu tinha para realizar foi concluída, semanas depois, baseada na sabedoria daquele homem simples. Confesso que é muito mais difícil na prática: a persistência exige uma boa dose de motivação diária. No entanto, eu não poderia ter obtido um resultado satisfatório a não ser que tivesse dado ouvidos àquele conselho, e quero levá-lo por toda a vida.

Essa história que narrei não conta todas as outras experiências que vivi com aquele mesmo homem da fazenda. Muitas, mas muitas outras lições eu aprendi, e tenho aprendido com ele, porque ele é uma dessas pessoas cujo caráter nos faz querer ser como elas. Esse homem é o meu pai. Sou extremamente grato a Deus pela vida dele.


Bons exemplos são raros hoje em dia, pelo menos é o que temos ouvido as pessoas dizerem. Mas eles existem. São homens e mulheres imperfeitos que se esforçam para ser o melhor que puderem para o bem dos outros e por sua própria consciência. Que haja mais dessas pessoas que nos inspiram a ser melhores! E que bom será se, um dia, eu e você, leitor, nos tornarmos como aqueles de cujas vidas se possam extrair lições – como o homem da fazenda. 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sonhadores incorrigíveis


Frustração. Todo mundo já passou por isso. Quanto maiores as expectativas em relação a um sonho, maior a frustração caso o sonho não se realize. E que gosto amargo tem a sobremesa que não veio. Poderia ter gosto de nada, mas tem gosto amargo.

O caminho da frustração começa da seguinte maneira: num belo dia, você tem um sonho. Daí em diante, vai alimentar esse sonho em seu coração e buscar possibilidades de realizá-lo. Começa, então, a trabalhar pelo sonho, seja estudando muito, se esforçando muito mais no trabalho ou insistindo em demonstrar o seu amor a alguém que não corresponde. O tempo passa, mas sua motivação é maior. Os obstáculos surgem, mas eles não te desanimam. Sua determinação é inabalável. Até que... a casa cai: você não passa no concurso, é despedido, ou ouve um “não quero namorar você, vamos ser só amigos”. O chão desaparece, a tristeza se estabelece e a gente não sabe mais o que esperar da vida. Frustração.

O que fazer quando aquilo pelo que lutamos simplesmente não se realiza? Ainda mais quando é algo tão natural, como ter um filho... “Por que todo mundo pode ter e eu não?” Somente quem ainda não alcançou aquilo que tanto se almeja sabe o quanto realmente vale a realização do sonho. E não adianta nos dar um tapinha nas costas e dizer “não fica assim, não. Vai dar tudo certo...”, porque já não está dando tudo certo coisa nenhuma! E a frustração vem e se destila em lágrimas...

Longe de querer oferecer uma fórmula para sair da frustração, quero apenas me assentar na assembléia dos frustrados anônimos e compartilhar que, enquanto escrevo estas linhas, sinto o mesmo sabor de sobremesa que não veio. Como sair dessa? Não sei dizer. Mas intuo que me revoltar e destruir tudo o que construí não deve ser a solução. É difícil enxergar, mas ainda há muita coisa boa acontecendo neste mesmo momento e não nos damos conta.

Neste exercício de combate à frustração, podemos buscar, com um pouco de esforço, coisas pelas quais poderíamos agradecer. O sonho pode ter virado fumaça, mas a comida ainda está na mesa, ainda temos o que vestir e pessoas para amar. Por que não agradecer? Não vai doer dizer obrigado.

Outra atitude seria entender que, se o que queríamos não se concretizou, pelo menos aprendemos algo com tudo isso. Esse aprendizado pode nos levar a grandes conquistas futuras. Podemos, também, valorizar o que já conseguimos: não é porque faltou dinheiro para terminar de construir a casa que as paredes erguidas não têm valor – não devemos derrubá-las. É melhor arejar a cabeça, pensando em outras coisas por um tempo, até que tenhamos recobrado forças para terminar a obra.

Nessas horas, quem exercita a fé tem uma vantagem: pode contar com Alguém além dos amigos. A verdadeira prática da fé não prejudica a ninguém, mas fornece uma força extra àquele que a ela se dedica. Um lembrete: é covardia culpar ao Ser Superior pelos seus problemas, quando você mesmo não tem coragem de assumir sua parcela de culpa no processo. Assuma seus erros e exercite a fé. Ainda que a esperança tenha sido a última a morrer, e efetivamente tenha morrido, a fé renasce como a fênix.    


Dias vêm, dias vão, e a dor vai ficando mais suportável. O prazer de viver está apenas escondido atrás das nuvens escuras, mas está lá. Certa hora a chuva vai passar, e os primeiros raios de sol surgirão com novos sonhos. E se der tudo errado outra vez? Pode ser que eu me decepcione, mas também pode ser que eu me realize! Não vou deixar o medo me paralisar. A fé sussurra em nosso ouvido que o melhor ainda está a caminho. Somos sonhadores incorrigíveis... Posso ter me frustrado, mas não consigo deixar de crer que, amanhã, ou depois, a sobremesa ainda virá, mais saborosa do que sonhei.  

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Mudar os outros



É muito ruim conviver com pessoas chatas. Tem gente que é insuportável, não é mesmo? Sempre têm uma coisa negativa pra dizer, sempre reclamando do clima, da roupa, do ar, da comida... Pessoas irritantes assim deveriam mudar! Falam mal dos outros pelas costas, são arrogantes, prepotentes. Eu não suporto pessoas assim, mas acontece que eu vivo sempre cercado delas!  Acho que me falta entender que a razão disso é que o verdadeiro chato, irritante, arrogante e prepotente sou eu.

Todo mundo tem o seu dia para acordar de mau humor. Sabe aquela vez que você teve que comparecer ao casamento da sua amiga na noite anterior e foi obrigada a ficar até o final da festa? Ninguém perguntou se você teria que trabalhar no outro dia! Sua amiga insistiu que você não deveria ir embora até partirem o bolo, só que as horas passam e o bendito bolo não é servido. Lá para as duas da madrugada, finalmente partem o bolo, mas a festa não acabou: faltam as fotos! Quando você finalmente consegue chegar em casa, já são umas quatro da manhã. Então você acorda para ir ao trabalho com aquele mau humor, que quando alguém te diz “bom dia”, a vontade é de responder com um “não enche”...

Se você já passou por isso, não tem problema. Ter um dia ruim de vez em quando é normal. A gente fica meio insuportável nesses momentos. No entanto, fazer do nosso dia a dia uma caçada aos defeitos dos outros, buscando insistentemente razões para acreditar que todos à nossa volta são irritantes, não parece bom. Se todos à minha volta são chatos, o que me faz acreditar que eu sou a exceção?

    Muito frequentemente, a maneira que as pessoas nos tratam é uma resposta à maneira como as tratamos. Contudo, é difícil fazer uma autoanálise acurada para saber se o meu jeito de lidar com o próximo é apropriado. Existem lances num jogo de futebol que só podem ser vistos da arquibancada. Ou seja, existem defeitos em nós que só os outros enxergam. A dica é: se todo mundo te trata mal, algo está errado com você.

Eckhart Tolle, escritor norte-americano, afirma que “aquilo que nós achamos mais irritante nos outros é, na verdade, um indicador daquilo que nós achamos (inconscientemente) mais irritante em nós mesmos”. Logo, se o que mais me irrita nos outros é a arrogância, provavelmente o indivíduo mais arrogante que conheço é aquele que eu vejo no espelho todas as manhãs. Difícil admitir isso, não é? Mas o reconhecimento de um defeito pode ser a primeira etapa de uma mudança para melhor.

Nem sempre é assim, mas, não raro, o ambiente em que nós vivemos reflete as nossas atitudes. Experimente ser alguém mais tolerante e você vai perceber mais tolerância nas pessoas à sua volta. Isso acontece, também, se você acrescenta o amor, o perdão, a gentileza... “gentileza gera gentileza”, já dizia o profeta. E quem sabe esse círculo vicioso, essa roda viva do bem não carregue o mau humor pra lá...

Seria bem mais fácil se todo mundo, de repente, mudasse para melhor. Mas, como isso não acontece, só nos resta mudarmos a nós mesmos. Dá trabalho, mas, também, dá muitas alegrias. E, com um pouco de paciência, pode se tornar realidade o conselho do Pensador: “muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente”.